Caixa dos Sonhos
Eu nunca tive um quarto só meu, sempre dividi com outras pessoas, meu
finado primo e minha mãe, mesmo com a casa sendo grande, nunca tive meu espaço.
Em 2019 decidi que reformaria um dos cômodos da casa para chamar de meu. Peguei
o dinheiro que seria para uma viagem e reformei o quarto. No final do ano,
comecei a arrumar minhas coisas para trocar de aposento, roupas, fotos, livros,
ursos e brinquedos, latinhas, cofres e caixas. Quem me conhece sabe que amo
caixas, mesmo que estejam vazias, simplesmente amo embalagens.
Ao mexer em algumas caixas, achei uma com meus sonhos, sonhos de infância
e adolescência, estava tudo lá, e por mais incrível que pareça, não havia sido
devorada por nenhuma traça ou cupim, cartas para Deus, colagens de um futuro
desejado, ideais escritos em folhas de ofício. Havia agendas, cadernos, cortes
de revista, tudo lá. Ao folhar e ler, percebi quantas coisas havia sonhado e
desejado.
Todos temos uma caixa dos sonhos, não necessariamente tenha que ser uma
caixa, pode ser um caderno, uma gaveta, uma agenda, mas está lá, com todos os
planos e sonhos. Ao ler meus sonhos, analisar cada pedaço de papel percebi que
muitas coisas eu não tinha realizado. Algumas coisas por serem ilógicas,
infelizmente não conheci nenhum príncipe sueco parecido com o Orlando Bloom, e a
tecnologia ainda não evoluiu para eu poder voar sozinha. Outras aconteceram
fora do meu tempo planejado, ou se adaptaram ao meu contexto.
Pensei em quanto tempo essa caixa ficou lá, sobrevivendo ao tempo e aos
meus maus momentos, onde a esperança daquele futuro havia se acabado. Ela permaneceu
intacta. O tempo tem senso de humor, porque ele corrói coisas que damos valor
desnecessário, como roupas e itens supérfluos, mas mantém coisas que não temos
como comprar. Os nossos sonhos não estão a venda em nenhum lugar, não dá para
dar um lance no Ebay, nem entra nas promoções do Black Friday, vivem e
são criados no nosso interior.
Porém os sonhos tendem a mudar, os valores mudam conforme crescemos, a
vida muda com a experiência e com as bagagens que o tempo traz. Os sonhos da
caixa se adaptam para nossa realidade, ou eles acontecem quando menos
esperamos. A caixa muitas vezes aumenta de tamanho, para poder comportar tudo
que agora temos dentro de nós. A caixa ainda está lá, muitas vezes rasgada e
suja por fora, mas dentro continua ilesa.
Ao ler meus antigos sonhos entendi que a essência continuou a mesma, a
Jéssica menina-sonhadora ainda estava lá, porém agora mais esperta e
inteligente para distinguir o possível do irrealizável. O que sei nos dias de
hoje é que sonhos podem se realizar no momento certo, aos 29 anos adquiri meu
próprio quarto, aos 27 consegui entrar numa faculdade de renome como bolsista (caso
contrário não teria como pagar), aos 21 pude trabalhar na empresa que tanto queria,
mesmo que por pouco tempo. Aprendo a cada dia que as coisas acontecem quando
tem que acontecer, que a caixa dos sonhos continua viva dentro de mim e que se
abre de tempos em tempos.
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